O Livro, uma máquina de fazer pensar
Memória Descritiva
Em 2012, Gonçalo M. Tavares escreveu – para o catálogo da exposição Tarefas infinitas: Quando a arte e o livro se ilimitam, que nos fala do livro como significante do significado – seis pequenos textos compilados sob o título “Breves notas sobre o livro”. Para esse mesmo catálogo, Gonçalo M. Tavares escreveu ainda:
Abrir um livro é correr o risco de encontrar o infinito. Ter ao alcance da mão, os limites da página, o sem-limites. E de que outro modo poderíamos nós encontrar o infinito senão no finito? Mensurável, palpável, visível. Nesse espaço aberto e branco da página, nas suas dobras, pode surgir o sem princípio, nem fim, nem centro: o livro infinito. Liberdade de leitura que é também desorientação: perdem-se as certezas e as referências habituais; os caminhos e os sentidos bifurcam-se; a noite cerca-nos. Uma espécie de cegueira: o livro abre uma obscuridade essencial, a dos novos começos. (2012)
Partindo dos textos lidos, dos conceitos abordados no seminário de Materialidades da Literatura II – especialmente do texto e trabalhos de Shelley Jackson – e das reflexões presentes nos referidos textos de Gonçalo M. Tavares sobre o livro, propõe-se uma criação literária, um livro-objeto que tem como finalidade enaltecer a materialidade do livro. O livro lê-se, vê-se e pode ser tocado e sentido. Esses atos complementares decorrem das características físicas do objeto, da sua materialidade, e é disso mesmo que o projeto trata, de realçar a materialidade do livro. Um livro-objeto que é um livro mas simultaneamente uma experiência artística e estética que questiona a conceção tradicional do livro impresso.
No texto de Shelley Jackson “I Hold It Toward You: A Show of Hands”, a autora reflete sobre a natureza da escrita e do livro, sendo que o primeiro problema que coloca é o da definição de livro. O que é um livro? Para Shelley Jackson, o livro é uma latência, é qualquer coisa que está à espera para se manifestar e essa manifestação acontece no momento em que é lido. Jackson desenvolve uma série de metáforas relacionadas com a mão e com a forma como a mão se relaciona com o livro e com a escrita, dando a ideia de que todo o corpo está envolvido no ato da leitura.
Na verdade, como Gonçalo M. Tavares deixa claro em “Breves notas sobre o livro”, todos os sentidos estão envolvidos no ato de leitura. Esse é um dos pontos principais que este projeto pretende realçar, ou seja, revelar que um livro não foi feito apenas para ser visto mas também tocado, cheirado e sentido. Os seis textos de Gonçalo M. Tavares (“O Livro – A Leitura”; “O que é um Livro?”; “A Escrita – O que ataca o que é atacado”; “O Tacto”; “O Livro que é para ler – O Livro que é para ver”; e “O Livro e os objectos – Velocidade, Lentidão”) falam sobre a escrita e sobre a leitura, sobre o que significa ler, ver ou sentir um livro, sobre o que é o livro enquanto objeto e sobre o que significa pensar através desse objeto que é o livro. Tendo isto em consideração decidiu-se trabalhar individualmente cada um dos textos de forma a salientar o significado de cada um deles por meio de um trabalho gráfico, visual ou expressivo conseguido tanto através da colocação do texto na página como através de uma mistura de técnicas e materiais. Cada um dos seis livros-objeto foi colocado dentro de uma caixa que tem como título aquela que Gonçalo M. Tavares considera ser a definição de livro – “O livro, uma máquina de fazer pensar”.
De certa forma, o projeto assemelha-se a um livro de artista pelo facto de o texto ser explorado de diversas formas a nível semântico e semiótico. O sentido do texto não está apenas nas palavras, na linguagem, mas também na forma como ele é paginado, encadernado e disposto numa arquitetura espacial. À semelhança do que acontece com os livros de artista, o projeto realizado torna visível a existência de sistemas de significação gráfica e pretende testar as fronteiras que existem entre o livro e a obra de arte, investigando o que pode ser considerado um livro-objeto e experimentando moldar o aspeto e a forma de tal objeto sem que este abandone a sua condição de livro. Na verdade, e mais uma vez à semelhança daquilo que acontece com os livros de artista, o objetivo é fazer com que este se mostre consciente dessa mesma condição.
Tal como Johanna Drucker demonstra no seu livro Diagrammatic Writing há um carácter relacional das componentes de uma página de texto e qualquer texto, por mais básico que seja, contém sempre um sistema de relações gráficas. Relativamente ao projeto desenvolvido, trata-se de pensar o livro como um espaço de articulações gráficas sobre o qual se pode intervir. Um espaço textual e artefactual estrutura um conjunto de intervenções que é possível ter sobre ele.
No referido texto de Drucker, a autora afirma que o que determina a linearidade ou a não linearidade de um texto é a forma como a intervenção é produzida sobre o campo textual e, assim sendo, é possível fazer uma leitura continua num texto descontínuo e uma leitura descontínua num texto contínuo. O códice não é um sistema linear e pode ser tão complexo como um sistema interativo digital. Pela forma como foram trabalhados no seu conjunto, os textos colocam em evidência tais questões.
Propõe-se um livro-objeto. Um projeto experimental e analógico. Uma caixa onde estão reunidos seis textos sobre o livro, uma máquina de fazer pensar que exige que se utilizem os vários sentidos e que se invista tempo a olhar, a ler, a sentir e a tocar em cada um dos objetos materializados.
FONTES TEÓRICAS E ARTÍSTICAS
DRUCKER, Johanna (2013). Diagrammatic Writing. Banff Art Centre, February 12-18, 2013. CreateSpace Independent Publishing Platform. http://will-luers.com/DTC/dtc354/diagrammatic_writing.pdf.
JACKSON, Shelley (2017). “I Hold It Toward You: A Show of Hands”. The Bloomsbury Handbook of Electronic Literature. London: Bloomsbury. 13-38.
PIRES DO VALE, Paulo (2012). Tarefas infinitas: Quando a arte e o livro se ilimitam. Lisboa: Museu Calouste Gulbenkian.
PROGRAMAS UTILIZADOS
- InDesign, Illustrator, Photoshop.
MATERIAIS UTILIZADOS
- Vários papéis, acetatos, cartolinas, linhas, colas e agrafos que sobraram de trabalhos realizados anteriormente.
- Uma caixa reciclada de uma encomenda CTT que foi virada do avesso e pintada para que a informação escrita não fosse visível.
- Um interruptor on/off (retirado de uma televisão antiga).
- Uma pilha.
- Um autocolante de microLEDs (resto de um projeto anterior).
- Cabos que serviram para ligar a pilha, os LEDs e o interruptor (retirados da referida televisão).
- Vinil autocolante recortado (único material que foi necessário comprar).